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Foto: Camila Mendes Fotografia |
Todas as tentativas de minhas professoras de Ciências de passar vídeos reais de partos foram frustradas. Comigo, pelo menos. Com os outros alunos, não. Eles voltavam para a sala cheios de comentários, com os olhos brilhando como alguém que vê a magia acontecer.
Eis que aqui me encontro eu, aos trinta e seis, casada e sem filhos. Ano passado, pela primeira vez na vida assisti a um parto cesariano. Vi o bisturi talhar camadas e mais camadas de pele até chegar ao pobre do bebê, espremido e enrugado, que foi tirado de sua primeira morada. Munida de coragem, procurei também vídeos de parto natural. O primeiro deles, numa sala de hospital, me pareceu tão frio e asséptico quanto a própria cesariana. Após, vi um vídeo de parto domiciliar humanizado. Em casa, numa piscina plástica, com a presença do pai junto da mãe, o bebê nasceu, a seu tempo. Uma coisa humana, sabe, que não vi em nenhum dos outros dois tipos de parto. Pela primeira vez na vida, enxerguei o parto com outros olhos.
Pensei em minha mãe, que deu à luz três. Pensei em suas dores, no hospital – nada de parto humanizado naqueles tempos, isso era coisa de hippie. O isolamento da família, cercada por profissionais da saúde, que nos tiraram e enfiaram embaixo d’água para cumprir os procedimentos. Eu, mesma, fui tirada a fórceps – esse meu talento de contrariar as coisas vem de antes do berço – e minha mãe só foi ter contato comigo horas depois de eu nascer.
Eu nunca dei à luz. Talvez, nunca darei. Quem pode dizer? Falta-me a coragem de assumir a responsabilidade pela vida de alguém que vai construir, cuidar ou destruir todas as coisas que nos foram deixadas? Falta-me a esperança de acreditar que posso criar um ser que faça diferença entre seus iguais? Falta-me um impulso para sair da minha zona de conforto, para abrir mão um pouco do eu para pensar no nós? Talvez. O que eu sei é que, se minha mãe – e outras tantas – não tivesse tido tudo o que me falta, eu não poderia estar aqui hoje, divagando.
Obrigada, mãe, por acreditar. Feliz dia das mães.
(Andreia Evaristo)
Crônica publicada no jornal A Notícia, em 07 de maio de 2016.
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