quarta-feira, 8 de junho de 2016

Sobre a maternidade

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Foto: Camila Mendes Fotografia
Desde que entendi como bebês chegam ao mundo (muito antes de saber como eles são fabricados) eu já sentia pavor de parto. Não queria nem ouvir falar: sem testemunhos sangrentos e doloridos, sem saber aonde vai a placenta depois que o bebê nasce, sem distinguir cesárea de parto normal.

Todas as tentativas de minhas professoras de Ciências de passar vídeos reais de partos foram frustradas. Comigo, pelo menos. Com os outros alunos, não. Eles voltavam para a sala cheios de comentários, com os olhos brilhando como alguém que vê a magia acontecer.

Eis que aqui me encontro eu, aos trinta e seis, casada e sem filhos. Ano passado, pela primeira vez na vida assisti a um parto cesariano. Vi o bisturi talhar camadas e mais camadas de pele até chegar ao pobre do bebê, espremido e enrugado, que foi tirado de sua primeira morada. Munida de coragem, procurei também vídeos de parto natural. O primeiro deles, numa sala de hospital, me pareceu tão frio e asséptico quanto a própria cesariana. Após, vi um vídeo de parto domiciliar humanizado. Em casa, numa piscina plástica, com a presença do pai junto da mãe, o bebê nasceu, a seu tempo. Uma coisa humana, sabe, que não vi em nenhum dos outros dois tipos de parto. Pela primeira vez na vida, enxerguei o parto com outros olhos.

Pensei em minha mãe, que deu à luz três. Pensei em suas dores, no hospital – nada de parto humanizado naqueles tempos, isso era coisa de hippie. O isolamento da família, cercada por profissionais da saúde, que nos tiraram e enfiaram embaixo d’água para cumprir os procedimentos. Eu, mesma, fui tirada a fórceps – esse meu talento de contrariar as coisas vem de antes do berço – e minha mãe só foi ter contato comigo horas depois de eu nascer.

Eu nunca dei à luz. Talvez, nunca darei. Quem pode dizer? Falta-me a coragem de assumir a responsabilidade pela vida de alguém que vai construir, cuidar ou destruir todas as coisas que nos foram deixadas? Falta-me a esperança de acreditar que posso criar um ser que faça diferença entre seus iguais? Falta-me um impulso para sair da minha zona de conforto, para abrir mão um pouco do eu para pensar no nós? Talvez. O que eu sei é que, se minha mãe – e outras tantas – não tivesse tido tudo o que me falta, eu não poderia estar aqui hoje, divagando.

Obrigada, mãe, por acreditar. Feliz dia das mães.


(Andreia Evaristo)
Crônica publicada no jornal A Notícia, em 07 de maio de 2016.

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