quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

E por que não?

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Era a terceira vez que ela me falava do ex-marido naquele ano. Eles tinham se casado na igreja, conforme a tradição. Tinham tido um casal de filhos, uma casa e um cachorro, com direito a café da manhã de comercial de margarina aos domingos. O modelo “perfeitinho” dos contos de fadas modernos.

Mesmo que ela nunca dissesse, mesmo sabendo que negaria se eu perguntasse, eu tinha certeza de que ela ainda o amava. Já se iam dez anos desde a separação. Os filhos, adolescentes, já tinham perdido a ilusão de que os pais, um dia, voltariam a se reconciliar. Mal sabiam eles que, de tempos em tempos, os pais voltavam a dividir os lençóis e as juras de amor de antigamente.

Munida de uma cara-de-pau entalhada detalhe por detalhe com requintes de marchetaria, soltei:

“Quero te fazer uma pergunta. Mas você não responde se não quiser, tá?”

domingo, 17 de janeiro de 2016

Doce veneno

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Olá, sou Andreia e sou uma viciada em recuperação. Estou em crise de abstinência. Conto nos dedos os dias, as horas, os minutos e os segundos que meu corpo está sem receber qualquer porção da droga que me mantém cativa.

Foi agora mesmo, nas férias, que decidi que era hora de parar de me drogar. Uma resolução de ano novo – ou coisa parecida. Percebi que meu corpo está ficando velho demais para me entregar aos prazeres momentâneos e passageiros do vício. Entendi que, se não parasse agora, talvez não tivesse outra chance, talvez fosse tarde demais. Marquei o dia no calendário, como se fosse um compromisso importante. Coloquei até uma nota na porta da geladeira – como se me fosse possível esquecer que o dia D, inevitavelmente, chegaria e eu me entregaria, de vontade própria e peito aberto, a uma guerra por mim mesma gerada.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Sobre se pegar – e os valores contidos nas palavras

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É nas pequenas coisas do dia a dia que a gente percebe que o tempo passa e tudo muda – tudo, até mesmo a língua. Entendo que a língua é um mecanismo em constante transformação, mas a mudança não pode ser tão rápida que impeça avós e netos de se comunicarem (ou pais e filhos, numa visão ainda mais pessimista).

Imagine a cena: dois alunos entram na minha sala para me atualizar das coisas da escola. Em geral, é nessas visitas não planejadas que eu fico sabendo de todas as coisas que me possam ser úteis durante o ano letivo. Conversa vai, conversa vem, um dos alunos me sai com essa:

“Mas tu sabe, né, Deinha, que o João e a Maria se pegaram ontem, na saída da aula.”

Já imagino a cena formada em minha mente: João, um garoto grande, com uma boa vantagem em força e musculatura, lascando a mão na pobre da Maria que, seja lá o que tenha feito, não merecia apanhar.

“E a Maria se machucou?”

sábado, 9 de janeiro de 2016

Faxina de Ano Novo

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Eu sei que você está aí, à beira-mar, desfrutando uma cerveja suada como seu corpo ao sol. Eu sei, porque está lá, para quem quiser olhar. Também sei que você deseja que o novo ano lhe traga dinheiro e paz, dado ao amarelo e ao branco presentes na sua foto de ontem. Você corre atrás de curtidas, mas está mesmo curtindo cada momento?