terça-feira, 14 de junho de 2016

A rotina mata o amor

cronica escritora joinville

A rotina mata o amor. A frase lhe martelava a mente. Não sabia se concordava com ela. As experiências sensoriais do início do namoro haviam se perdido em 16 anos juntos. A vida toma um rumo que não corresponde exatamente aos nossos sonhos e, quando menos percebemos, estamos vivendo uma vida igual à que viviam nossos pais – aquela que recusávamos. Mas o roteiro vem pronto e, de repente, estamos atolados num sitcom americano, com contas para pagar, mercado nos fins de semana, casa para limpar, roupa para lavar. O tempo fica curto e o desejo de explorar a vida com todas as células vai sendo guardado num baú escondido da alma, com chaves e ferrolhos.

Pensava em sua vida: o amor estava lá, tinha certeza. Talvez um velhinho encarangado, precisando de muleta e óculos grossos, mas vivo ainda. Quando é que se pode dizer que o amor foi morto? Pensou no marido, sentado no sofá, no fim do dia, com cara de quem queria se desligar do mundo de fora e se meter pelos fios que lhe emaranhavam os pensamentos de dentro. Pensou nas festas, cada vez mais raras, quando ela ainda podia usar saltos e maquiagem. Poucas, mas existiam. Precisava se agarrar a qualquer resquício de sonho encantado que pudesse lhe faiscar.

Queria de volta o arrepio de pele, o beijo ardente de desejo, os carinhos agarrada ao marido no sofá. Mas ele só queria paz e sossego – talvez um bom vinho e um filme. Suspirou à lembrança do que o tempo não traria mais.

Deixou o carro na garagem. Ele fritava os bifes: como chegava mais cedo, era sua tarefa terminar o almoço que ela deixava quase pronto. À porta, olhou para o marido que a cumprimentava: diferente. Não foi o tom de voz ao dizer oi, não foi o quase sorriso que ele abriu. Os olhos ainda eram os mesmos – o que mudava era o jeito de olhar.

Foi ao banheiro. Quando retornou, ele a aguardava com o mesmo ar de antes.

“Você já estava com esse vestido?”, ele perguntou, se aproximando dela, deixando-lhe um beijo nos lábios. Ela ouviu-lhe a respiração inspirando seu perfume, enquanto limitava-se a responder uhum. Quando seus rostos se afastaram, seus olhos mediram cada centímetro do rosto dela: “Você está linda.”

Não tinha mais dúvidas: a rotina não tinha matado nada. Ali, naquele jeito de olhar, o amor se fazia presente, tão jovem como sempre.


(Andreia Evaristo)
Publicada no jornal A Notícia, em Joinville, em 16 de abril de 2016.

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