segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Ser diferente

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“Quando você decidiu que seria diferente?”

Os olhos me interrogavam, cheios de expectativa. Eu tinha acabado de passar uma hora falando sobre como a mídia planta sementes em nossas mentes, empurrando padrões de beleza que são como forminhas – e, quando as sementes germinam, crescem e frutificam, nossa autoestima mingua e passamos a acreditar que, se nosso corpo não se encaixa na forma, é porque tem algum problema conosco.



Eu não tinha tempo pra pensar na resposta. Havia mais trinta e tantos pares de olhos a me questionar, observando minha baixa estatura, meu peso acima da média e o azul dos meus cabelos (que deveriam ser roxos, já que a tinta é roxa, mas meus fios têm vontade própria).

Se eu fizesse um apanhado dos fatos que costuraram a colcha de retalhos que eu chamo de minha história, minha memória mais antiga já me provaria por A + B que eu nunca fui igual aos demais. Nunca quis ser igual. Já no jardim de infância, aos três anos de idade, eu queria mesmo era me destacar das outras meninas (e, por que não?, dos meninos). Mas foi lá mesmo que tive o primeiro contato com a padronização.

Tínhamos uma apresentação a fazer. Todas as meninas deveriam usar uma meia-calça branca e lisa. Ensaiamos a coreografia e eu, sem a menor vocação para timidez, acabei na frente do grupo, balançando as perninhas gordas e o popozão. O caso é que minha mãe não encontrou a meia-calça como a professora pediu: tinha branca, mas não lisa; ou lisa, mas não branca. Optou por uma coisa linda, branca, rendada, com desenhos que me enchiam os olhos, fenômeno totalmente oposto ao causado na professora. Como punição por destoar do padrão, fui colocada atrás do grupo, para que ninguém pudesse perceber que minha meia-calça – leia-se eu – era diferente.

A vida me ensinou que ser diferente era um problema e eu precisava me encaixar. Mas não me encaixo. Hoje abandonei o televisor e escolho de onde vêm minhas informações. Na minha casa, não há novela, não há revistas, não há padronização – tudo é personalizado, como deveria ser em todas as casas.

Respondendo à pergunta, eu não escolhi ser diferente. Eu nasci assim. Todos nascemos. Mas chega um momento na vida em que é preciso escolher: ou a gente segue o fluxo e entra na forma do padrão, ou nada contra a maré e assume que é diferente. Eu estou na contramão – e pode ter certeza: foi minha escolha mais acertada.

(Andreia Evaristo)
Crônica publicada no jornal A Notícia em 03 de setembro de 2016.

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