quinta-feira, 19 de maio de 2016

Sobre a rocha


Dia desses, sentada com o marido ao lado, assistíamos a um filme, naquela cumplicidade de sofá que só os casais de longa data podem desfrutar. Na tela, uma cena banal, de uma história banal: alguém bate à porta, e lá de dentro uma senhora pergunta “Quem é?” Em minha mente, a cena de um seriado americano pisca, sonora e a cores: o filho chega em casa e coloca a chave na fechadura. De dentro do quarto, a mãe grita: “Quem é? É um estuprador?” – como se um estuprador fosse mesmo avisar de sua presença na porta da casa de alguém. É uma cena que se repete várias vezes no mesmo episódio, esse mesmo episódio a que assisti infinitas vezes ao lado do meu marido. Nem tenho tempo de comentar uma mísera palavra e meu marido me sai com a deixa: “É um estuprador?” Caímos na risada.

Casamento é isso: cumplicidade. É antecipar a frase um do outro, porque a gente já viveu tanta coisa junto, já dividiu tantas dores e tantos sabores, que a vida parece um fardo mais leve de ser carregado por dois do que por um. É uma engenhoca a ser montada, sem manual de instruções, e sem regras sobre o que é certo ou errado. É uma parceria nas horas de pipoca doce com caramelo e nos dias de salada com carne grelhada.

Não por acaso a palavra casamento deriva da palavra casa. Casamento é uma casinha onde mora o amor. Uma casa estranha, diga-se de passagem. Uma casa cheia de cômodos, mas sem portas internas – porque não há espaço para segredos guardados a sete chaves dentro de um casamento. Aos que estão de fora, o que aparece na janela deve ser exatamente aquilo que você deseja que seja visto: a sala arrumada, limpa e perfumada, pronta para receber visitas, sem jamais imaginarem que por baixo do tapete pode ter alguma sujeirinha escondida, ou mesmo um buraco no assoalho. Já a porta de fora, essa sim, deve não apenas existir, mas ser trancada com zelo e cautela, para que ninguém possa invadir esse espaço que pertence apenas aos dois.

Quanto às cenas de filmes e os comentários que poderiam ser narrados em dueto se tivéssemos mais sincronia além da sintonia, que eles continuem a acontecer sempre dentro dessa minha casa estranha. Pode parecer piegas, mas tenho certeza: nós construímos um bom alicerce.

(Andreia Evaristo)
Crônica publicada no jornal A Notícia, em Joinville, em 06 de fevereiro de 2016.

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