terça-feira, 31 de maio de 2016

Resposta

cronica escritora joinville amor do passado

O clima mudara: um friozinho gostoso se espalhava pela casa. O céu límpido completava o clima perfeito para a ocasião. Dias perfeitos são sempre assim, pensava ela, com frio e sol. Uma combinação criada por Deus, para reacender a chama da esperança nas lamparinas da alma humana.

Perfeita era a atmosfera para retirar das coisas adormecidas a poeira acumulada pelos anos. Abriu uma caixa, remexeu livros amarelados, cujas páginas já não se recordavam mais se eram uma ou várias. Em outra caixa, cartas antigas, de uma época que não havia tecnologia para aproximar mensagens e afastar pessoas. As cartas vinham de longe, mas os corações dos remetentes batiam lado a lado. Na terceira caixa, foi onde se demorou mais.

Escondidas em manuscritos rebuscados, as letras traziam versos escritos à sombra. Nunca conheceram o vento, que os poderia ter levado a longas distâncias. Curiosos, os olhos vasculhavam em busca de preciosidades deixadas para trás, abandonadas e escondidas por alguém que não era mais ela.

A caligrafia era sua: pouca mudança nos traços, um amadurecimento no desenho de cada letra, mas a quem pertenciam era indiscutível. À leitura de cada poema, buscava encontrar na memória o que tinha motivado aquela catarse. Pouco conseguia escavar no sítio arqueológico da lembrança. Até que uma pontinha brilhou, como o sol que entrava pela janela.

Lembrou-se de um caderno de capa de tecido, no qual, dia após dia, ela alinhavava no papel sentimentos e sensações com um fio que lhe saía do peito, e do dia em que lhe entregou seu coração neste caderno. Lembrou-se das cartas que lhe escrevia, que eram deixadas de surpresa na caixa de correio – inclusive, a última, em que ela se dizia cansada e jurava que seria a derradeira. Nunca obtivera resposta.

Os poemas antigos eram bons, poderiam compor um livro nos dias de hoje. Uma pena que eles já deviam ter virado adubo há muito tempo. Da carta, não tinha certeza, mas desconfiava que a resposta nunca tinha chegado porque o destinatário não correspondia ao seu sentimento. Ou talvez apenas não soubesse o que significava derradeira.

No rádio, a música lhe completava as ideias falando “dos versos que eu fiz e ainda espero resposta...” Ela, não mais. Há muito compreendera que o silêncio também é resposta.


(Andreia Evaristo)
Crônica publicada no jornal A Notícia, em 30 de abril de 2016.

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