segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Volta, Maria!

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Maria, você se casou este ano, aos 16. Estava tudo indo bem, as notas na escola eram suficientes para passar de ano sem exames finais. Mas você jogou tudo para cima. Não por vontade própria – o marido assim o quis. Afinal, você se casou para ser uma dona de casa e esposa dedicada à família.

Eu não julgo você, Maria. Não sei como foi sua educação, ou quais são os valores pelos quais você norteia a sua vida. Também não sei como você acabou neste casamento, e se as vontades do seu marido respeitam suas próprias vontades. Isso tudo diz respeito somente a você.

Só queria, Maria, que você pensasse comigo. Por mais que seu amor esteja unido pelas bençãos de uma religião que não prevê divórcio, será mesmo que esse conto-de-fadas sobreviverá para sempre? E se (Deus a livre!) você, um dia, ficar viúva e precisar ingressar no mercado de trabalho? E se o mundo não girar exatamente da maneira como você acredita que ele gire, e você acabar se encontrando numa situação em que os estudos lhe façam falta?

Será mesmo que você não deveria voltar e terminar, pelo menos, essa série? Não estou pedindo que você fique mais um ano – vai que você arrume confusão em casa. Longe de mim! Mas são apenas vinte dias para terminar tudo – isso você consegue, não?

Eu não sou do tipo que se mete, Maria. Só queria que você acompanhasse meu raciocínio: hoje ele lhe cortou os estudos; antes disso, já tomou conta das roupas que você deve ou não usar. O que será amanhã? Ele calará sua voz, ditará suas comidas favoritas, obrigará você a fazer coisas que você não quer fazer? Entenda, Maria, eu também já estive no seu lugar. Eu também fui o lado frágil de uma relação abusiva. Dói, eu sei que dói. A gente se entrega, abre o coração e a alma, e não quer acreditar no óbvio que se mostra diante do nariz. A gente arruma desculpas para justificar o que não pode ser justificado: Ai, nem é tão ruim assim. Só às vezes que a gente não concorda... Não é só às vezes. É tão ruim assim, sim. E quer saber mais, Maria? Dói mais se a gente se calar, se a gente aceitar tudo goela abaixo sem poder mastigar antes.

Maria, volta. Vem terminar o ano. Vem dar uma chance a si mesma de ser quem você é, de não se anular, de ser completa.

(Andreia Evaristo)

Publicada no Jornal A Notícia, em 12 de dezembro de 2015.

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