quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Do assédio nosso de cada dia, nos livrai hoje!

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Dia desses, meu marido chegou em casa com um ramalhete de apitos cor-de-rosa. Curiosa, perguntei-lhe do que se tratava. “Apitos anti-assédio”, respondeu-me. A proposta é interessante: ao menor sinal de violência, a mulher deve botar a boca no trombone – no apito, no caso. A ideia surgiu quando, no Recife, mulheres chamavam a polícia quando uma das vizinhas estava sofrendo agressão doméstica e se posicionavam em frente à casa da agredida para um apitaço, à espera da viatura.


Imaginemos, caro leitor, a vida diária. Uma mulher é encoxada no ônibus, de forma insistente e maliciosa. Ao andar pela rua, num dia qualquer, outra mulher é obrigada a se deparar com olhos gulosos que a chamam de gostosa, como se ela fosse uma guloseima pronta para aplacar o desejo na boca do lobo mau. Outra ainda caminha da escola à casa e sente uma passada de mão que invade sua privacidade, mesmo que por cima da roupa. Qualquer uma delas saca o apito e assopra. Em todos os casos, há sempre duas possibilidades: o assediador se intimida e se afasta, ou se volta contra a mulher e a agride, verbal ou fisicamente.

Meu receio é justamente o de a agressão aumentar. Já ouvi relatos de garotas que, ao responder negativamente a um assédio na rua, foram humilhadas, ofendidas e até mesmo ameaçadas. Porque mulher não pode se dar ao direito de recusar a investida. Ela pode, no máximo, baixar a cabeça e continuar andando, como se nada tivesse acontecido, queixando-se ao mundo pelo trágico destino que a fez mulher, e não homem.

O caso é que isso tem de parar. Precisamos ensinar a crianças e jovens que ninguém tem o direito de invadir a vontade do outro, de que somos seres – teoricamente – racionais, que pensam antes de agir por impulso ou por instinto. Homens, entendam: mulheres têm o direito de não querer a sua “cantada”, de recusar o seu assédio. A violência contra a mulher não será impedida com um apito rosa (que bom se fosse simples assim!); será impedida quando quem abusa entender que não tem esse direito, que mulher não é objeto, que ela também tem vontade, voz e vez, e que ser homem não é argumento para ser ignorante, para se achar o garanhão, o pegador – até porque, amigo, você não está com essa bola toda.


(Andreia Evaristo)

Publicado no Jornal A Notícia, em 31 de outubro de 2015.

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