segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

"Pobre fazendo pobrice"

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Ela tinha o peito de fora.

E pendurado no peito, a cria, mamando, como cabe aos mamíferos de qualquer espécie.
Não tinha pudores. Seu instinto de mãe já havia deixado de lado qualquer vergonha que a exposição poderia trazer. Ela bem sabia que os olhares poderiam sensualizar – e sexualizar – um ato que era natural, puro e inocente. Mas a preocupação com o filho sobrepujava qualquer mal entendido (para usar aqui um eufemismo).


Disseram que ela precisava de um paninho, de uma fralda, de qualquer coisa que pudesse esconder a amamentação dos olhares atentos do mundo. Mas se o mundo se incomodava tanto com a alimentação do seu bebê, por que não olhava para o outro lado? Por que não experimentava usar em si mesmo um tapa-olho?

Já tinha ouvido muitos absurdos. Mas o supra sumo veio com uma foto sua, amamentando, exposta nas redes sociais. Na legenda, uma mulher – sim, uma MULHER – descrevia a cena como pobre fazendo pobrice. Que ela devia estar apenas buscando uma desculpa para desnudar o corpo em frente a todos. Que se ela fosse uma pessoa de bom senso, teria desmamado o filho e trocado o peito pela mamadeira, com direito a leite artificial em pó e enlatado. Que tudo se resumia a uma questão de economia – afinal, leite materno era de graça e não custava nada a mãe, nem ao governo.

Ela poderia ter entrado nas redes sociais e rebatido cada um dos absurdos. Poderia ter dito que, se quisesse, não precisaria expor seu bebê para mostrar os seios a quem quer que fosse. Poderia ter dito que trocar o leite materno por leite em pó pode até ser consenso (infelizmente), mas que de bom senso não tem nada. Que realmente era uma questão de economia – no futuro, seu filho economizaria muito em consultas e exames médicos, porque o leite materno ajuda na imunidade. Poderia ter ainda falado sobre o vínculo afetivo que a amamentação cria. Poderia ter dito que a maldade está na cabeça de quem é mal intencionado, não evoluído, não civilizado. Poderia ter pedido um pouco mais de humanidade, de solidariedade. Poderia ter dito, ainda, que uma mulher não deveria reproduzir esse discurso preconceituoso contra outra mulher. Mas ela não o fez.

Então, faço eu por ela: tire o seu nariz da amamentação alheia!


(Andreia Evaristo)

Publicado em 07 de novembro de 2015.

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