quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O mistério da rosa


Estava prestes a sair para o trabalho, quase atrasada, como todas as manhãs. Ainda dentro do meu pátio, no caminho por onde o carro passa, uma mancha vermelha chamou-me a atenção.

Aproximei-me, incrédula, sem querer crer no improvável que se exibia ali, frente aos meus olhos: uma rosa vermelha, linda, novinha em folha, deitada no meio da passagem, como se tivesse sido deixada de propósito. Um presente, talvez. Mas de quem? Meu marido ainda estava dentro de casa, terminando de ajeitar a vida que leva consigo quando sai para o trabalho, dele é que não era. Olhei ao redor: portão ainda com corrente e cadeado, nenhum sinal de arrombamento, nada: um mistério lindo e rubro a me encarar de volta.


Talvez tenham sido os vizinhos. Um pedido de namoro ou de casamento, com direito a uma rosa vermelha roubada de algum jardim. Imaginei a cena: o moço, joelho no chão e flor em punho, olhando nos olhos da amada, cheio das promessas do felizes-para-sempre. Até seus olhos se arregalarem, suas bochechas penderem pela ação da gravidade e da perplexidade da resposta que anunciava o nunca-mais. Resignado, enquanto olhava a amada fugir para longe dos braços nos quais ela deveria adormecer, ele lançou, por cima do muro, o símbolo da sua paixão (unilateral), que agora jazia absoluta em meu caminho. Se essa rosa sangrava seus sentimentos rejeitados, uma pétala sozinha, separada das demais, era uma gota de sangue que a terra não foi capaz de absorver.

Talvez não tenha sido nada disso. Moro numa encruzilhada, perfeitinha como desejam os santos. Em outras manhãs, já fui surpreendida por despachos e encomendas, com direito a champanhe, flores, velas coloridas e pipoca, devidamente acomodados numa gamela de barro. Lindas as oferendas! Se santo eu fosse, teria ficado grata. Mas normalmente essas oferendas são colocadas bem na esquina, junto ao meio fio de onde deveria haver uma calçada, nunca do lado de dentro do quintal – e são sempre grandes, vistosas, com muitos mimos no mesmo presente. Uma rosa sozinha teria sido a primeira vez. Ou quem sabe é uma nova religião?

Melhor não questionar. Agradeci a Deus pelo presente, gratuito e especial, uma pequena singeleza em meu caminho. Não me importa de onde veio: cortada do pé, a vida nela era breve demais, e precisava ser desfrutada logo, sem tempo para indagações – como em nós.


(Andreia Evaristo)
Crônica publicada no jornal A Notícia, em 27 de agosto de 2016.

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