segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Amor é fogo


O amor é uma chama. Você acende uma vez, e vê que é bom. Mas, enquanto fogo, é quente e você tem medo de se queimar. Então vai devagar: acende a vela, com cuidado, e a carrega como quem caminha numa procissão – num suporte de papelão, para que a cera não acabe queimando seus dedos ao derreter.

O fogo é fascinante. Você tenta apagá-lo durante o dia, para que possa tomar conta da vida, como fazem as pessoas normais. Mas não consegue. A chama flamulando é hipnotizante. Quanta magia cabe no fogo trazido dos céus por Prometeu? Que dádiva ou maldição dos deuses a chama do amor pode carregar entre meros mortais? Você pergunta, mas não quer resposta: se acostuma a manter uma chama, mesmo que pequenina, sempre ao seu lado, porque o amor lhe faz bem.


Mesmo diminuta, você cuida para que não se apague: não tem certeza de que será capaz de acendê-la novamente. Sequer sabe como fez para criá-lo a partir do nada da primeira vez, por isso não pode se dar ao luxo de deixar que qualquer coisa seja capaz de extinguir esse fogo que lhe acompanha, iluminando os espaços escuros que cercam sua alma e suas dores do passado. Porque o fogo, enquanto luz, é assim: não permite que as sombras se criem, que se multipliquem as escuridões – onde há amor, não há nada medo do escuro.

Até que você se acostuma. O fogo do amor está sempre por ali. Seu cuidado em proteger a chama dos ventos do destino acaba se tornando uma rotina e, como tudo o que vira corriqueiro, perde um pouco do sentido, se torna um fardo desnecessário. Há tanto tempo que convive com esse fogo que parece eterno, que você se descuida. Não há mais mão em volta da chama a protegê-la dos ventos. Não há recursos para conservar a chama flamejante sempre viva. Ela pode ficar ali no cantinho, você tem certeza de que ela sempre ali estará.

E é no descuido que você começa a perdê-la, não percebe que a brisa está aumentando e, quando se tornar vento, a chama talvez não sobreviva. Mas você não percebe as mudanças do clima, porque deixou de cuidar do fogo que lhe foi confiado. Só percebe a falha quando a escuridão volta a crescer, quando o medo do escuro ressurge em espaços que já havia abandonado. E você chora a ida do fogo, implora aos deuses que Héstia lhe envie uma nova amostra. Ainda há chance, eu sei, o pavio não se rompeu – basta reavivar o que ainda não está morto.


(Andreia Evaristo)
Publicada no jornal A Notícia, em 30 de julho de 2016.
Online: Diário Catarinense

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