segunda-feira, 25 de julho de 2016

Eu queria escrever uma crônica


Eu queria escrever uma crônica colorida, mas hoje estou em preto e branco. Melhor, estou em escala de cinza, porque reconheço que há tantas nuances entre o preto e o branco que não caberiam na folha que me encara, vazia. Vazio também é o que me grita por dentro. A mulher que me encara no espelho, eu não a reconheço. Quem é ela? Por que me atormenta as ideias e imita meus movimentos, como se tentasse se passar por mim?


Eu queria escrever uma crônica perfumada como um jardim florescendo em primaveras, mas hoje estou invernando. As folhas de outono já secaram, já caíram e agora jazem pútridas no chão, esperando que o vento as carregue para longe – o que nunca vai acontecer. A passagem do tempo as deixou pesadas demais, assim como me deixou cansada demais. Esse senhor ingrato de barbas brancas me pesa sobre os ombros enquanto passa – e ele sempre passa, sempre se vai, sem chance de volta. E enquanto ele passa, algo em mim deteriora como as folhas grudadas no chão.

Eu queria escrever uma crônica leve, como a pluma que a brisa embala, como o dente-de-leão que a criança assopra em bico e sorri quando a penugem baila no ar, mas hoje estou esmagada pelas toneladas de preocupações que me invadem por dentro. Os quilos que abandonaram meu corpo foram absorvidos pela minha alma, tenho certeza. Não mais engulo os problemas, mas também não consigo vomitá-los. Então, de dentro pra fora, eles me soterram, me submergem como a enchente que vaza as bordas do rio Cachoeira em tarde de verão. Tenho certeza de que, mais cedo ou mais tarde, eles voltam a se esconder no leito do rio que corre em meu peito. Mas o que deixarão para trás? Que dejetos estarão depositados nos caminhos que desenham meus destinos? Que tipo de sujeira escondida será trazida à tona – e saberei eu como lidar com ela?

Eu queria escrever uma crônica ensolarada, como uma tarde de inverno fria e iluminada, como os dias perfeitos em minhas memórias, mas hoje estou nublada. Há uma tempestade que se forma, um prenúncio de densa precipitação de sonhos líquidos e verdades insolutas. As densas nuvens se enolam em tons e subtons, como chumaço de algodão acinzentado. São lindas. Há uma beleza infinita nas tristezas da vida, talvez maior do que qualquer instante de felicidade jamais terá. Mas mesmo sendo belas, ainda são tristes.

Eu queria escrever uma crônica, mas hoje estou poesia.


(Andreia Evaristo)
Crônica publicada no jornal A Notícia, em 23 de julho de 2016.
Online: Diário Catarinense

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