sábado, 2 de julho de 2016

Do fundo do baú


A gente paga pela língua.

Eu já disse por aqui mesmo que nunca fui muito adepta do tal do whatsapp. Nos dias em que o aplicativo foi bloqueado, eu nem percebi, tamanho meu vício nesse negocinho. Até que uma amiga dos tempos de escola, lá da oitava série da turma de 1993 teve a melhor ideia dos últimos 23 anos: criar um grupo com nossos amigos. Adiciona um daqui, outro dali e, enfim, estamos com quase quatro dezenas de pessoas no grupo. Foi aí que o bichinho do whatsapp me picou e eu fiquei doente.


Faz uns dez dias que eu passo mal se minha internet não estiver ligada. Como um viciado à procura de satisfação, mal o aparelho vibra e lá estou eu, com dedos nervosos sobre a tela. Ontem, mesmo, tive uma crise existencial quando, ao transitar por uma rodovia, fiquei sem sinal por longos trinta minutos!

Tenho certeza de que, brincadeiras à parte, não é o aplicativo que me viciou. São as histórias. Quantos caminhos se mostram à nossa frente e nós, com a experiência que temos no momento, escolhemos um deles e abrimos mão de todos os outros. Escolher é, também, rejeitar. Não se pode ter tudo, não é mesmo?

Há aqueles que se casaram, há os solteiros de plantão, e também os que juraram amor infinito enquanto durasse. Há os que têm filhos, os que têm cães ou gatos, os que têm uma horta na janela do apartamento em Nova Iorque. Quase ninguém mudou nada. As mesmas expressões com as quais convivi muitos anos da minha vida continuam iguais como se o tempo, esse senhor ingrato e maldoso, não tivesse passado para nenhum de nós. As mesmas vozes, os mesmos jeitos, como se tivéssemos apenas passado uma breve temporada afastados.

Isso só me prova uma coisa: somos de verdade quando somos crianças e adolescentes. Talvez, de uma forma ou de outra, a gente acabe encenando papéis diferentes em diferentes realidades sociais. Mas a essência continua lá. Talvez, tudo o que precisamos seja nos reencontrar com aqueles que nos conhecem de verdade, como éramos antes e continuamos a ser lá no fundo, porque com eles não precisamos de máscaras, não precisamos de amarras nem de convenções – nós só precisamos ser. O que me leva de volta ao primeiro pensamento: não é no whatsapp que eu estou viciada, é nessa sensação de reencontro, comigo mesma e com aqueles que estão me fazendo um bem que eles nem sabem (ou sabem, porque talvez se sintam exatamente como eu).


(Andreia Evaristo)
Crônica publicada em 02 de julho de 2016, no jornal A Notícia.
Online: Diário Catarinense // Hora de Santa Catarina 

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