sábado, 12 de março de 2016

Estudar não é coisa de mulher


Dia da mulher. Abro o whatsapp e uma das melhores alunas que já passou por minha vida – daquelas que são ótimas na escola e na sociedade – me manda felicitações pelo dia. Sou feliz quando alguém me diz que, de alguma forma, se espelha em minhas ações, que me acha uma mulher de personalidade forte e que marcou sua vida, mesmo que um pouquinho.

Pergunto-lhe sobre a faculdade – aquela, para a qual ela batalhou tanto; aquela, cuja nota do Enem lhe garantiu uma bolsa de 100%; aquela, que seu pai não queria que ela fizesse porque, enquanto mulher, ela não precisaria dessas coisas.

Ela não responde, de imediato. Deve estar pensando numa forma gentil de me dizer o que não há gentileza no mundo que possa suavizar.

– É que eu não estou fazendo a faculdade.

No primeiro dia de aula, ela estava toda arrumada, cheia de expectativas e ansiedades, indo para a instituição. Seus sonhos estavam nas nuvens, exatamente onde Fernando Pessoa sempre insistiu que os sonhos devem estar. Devia deslizar pelos caminhos, flutuando. Até chegar ao terminal de ônibus.

Aquele homem endurecido que ela chama de pai a aguardava na estação. Com vozes alteradas, ele lhe disse com todas as letras que ela não iria mais à faculdade, que o sonho terminava ali, antes mesmo de começar. Que essas coisas de estudar não são coisas de mulher. Mulher precisa aprender a bordar, a cozinhar, a lavar e a passar. Um cursinho de corte e costura, talvez. Mas Economia? Mulheres nem se dão com os números, de qualquer forma.

Minha mãe conta, com os olhos marejados, que meu avô a tirou da escola, pelos mesmos motivos, que ela acordava de madrugada para tentar fazer as tarefas que ele a impedia de fazer durante o dia, que ela tinha boas notas, e nada disso bastou. Mas isso foi há uns quarenta anos! Não consigo crer que, ainda hoje, homens jovens pensem como meu avô, que beira os 80.

Moça, você merece o mundo! Não se deixe abater. Sei que você ainda vai conseguir, vai dar a volta por cima, vai provar para o seu pai que os números se dão tão bem com você quanto você com eles. Que lavar, passar, essas coisas todas são coisas de seres humanos, independente se homens ou mulheres. Que a vida é curta, mas seu coração é enorme.

Que você possa perdoá-lo, um dia (porque eu não sei se consigo).

(Andreia Evaristo)
Crônica publicada no jornal A Notícia, em 12 de março de 2016.

Nenhum comentário :

Postar um comentário