terça-feira, 25 de agosto de 2015

Mas é no presente ou foi no passado?

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Foto: Reprodução
Uma das primeiras coisas que me chama a atenção quando alguém me pede para dar uma lida no seu texto é a questão dos tempos verbais. Vejamos:

Mal Hugo entrou pela porta, foi surpreendido pela mão dura da mãe, que o acertou em cheio com uma varinha de marmelo. O garoto não sabia por que estava apanhando, mas tinha certeza de que tinha sido descoberto em alguma de suas traquinagens. Quando a varinha se quebra, a mãe lança mão do primeiro objeto que encontra pela frente: um chinelo havaiana. Quando se cansou de bater, a mãe empurra o menino no sofá e grita com ele. Ele tampou os ouvidos, num instinto de fugir da conversa.

O trecho acima é um exemplo de narração que mistura verbos no presente e no passado. O problema é que isso não é feito de forma intencional. A ação toda acontece numa mesma sequência de tempo; por isso, o escritor precisa optar se vai narrar o fato no presente ou no passado. Veja: 

Mal Hugo entrou pela porta, foi surpreendido pela mão dura da mãe, que o acertou em cheio com uma varinha de marmelo. O garoto não sabia por que estava apanhando, mas tinha certeza de que tinha sido descoberto em alguma de suas traquinagens. Quando a varinha se quebrou, a mãe lançou mão do primeiro objeto que encontrou pela frente: um chinelo havaiana. Quando se cansou de bater, a mãe empurrou o menino no sofá e gritou com ele. Ele tampou os ouvidos, num instinto de fugir da conversa.

No trecho acima, todos os verbos foram colocados no passado (mesmo aqueles que são compostos). É possível, também, colocar todos os verbos no presente. Veja:

Mal Hugo entra pela porta, é surpreendido pela mão dura da mãe, que o acerta em cheio com uma varinha de marmelo. O garoto não sabe por que está apanhando, mas tem certeza de que foi descoberto em alguma de suas traquinagens. Quando a varinha se quebra, a mãe lança mão do primeiro objeto que encontra pela frente: um chinelo havaiana. Quando se cansa de bater, a mãe empurra o menino no sofá e grita com ele. Ele tampa os ouvidos, num instinto de fugir da conversa.

Observe que quase todos os verbos foram colocados no presente. Por que quase todos e não todos? Porque a ação de ser descoberto tem que acontecer antes da ação de apanhar – assim, é necessário manter o verbo no passado, certo? Esse é um dos momentos em que a regra de usar sempre o mesmo tempo verbal precisa ser quebrada.

Sobre o pretérito mais-que-perfeito


Quando usamos a narração no passado, algumas vezes o narrador precisa contar um fato que aconteceu antes da história narrada. Aí entra o pretérito mais-que-perfeito. Ele é um passado anterior ao passado da história, entende? Parece confuso? Vamos simplificar.

Imagine que você esteja narrando uma ação que aconteceu no ano passado. Você está contando sobre um incidente em que precisou desesperadamente encontrar um banheiro:

íamos para quase duas horas de palestra quando percebi que não conseguiria mais segurar. Minha bexiga doía. Minha pele tinha arrepios repentinos. Se eu não tivesse plena certeza de minhas condições físicas, diria que a urina já estava meio metro pra fora.

Pois bem, essa ação é contada no passado, certo? Verifique os verbos marcados em amarelo. Se o narrador quiser dizer ao leitor que ele tomou um chá gelado, seguido de duas latas de refrigerante, antes da palestra começar, essa ação é anterior à ação de estar apurado na palestra, certo? Aí entra o pretérito mais-que-perfeito. Você pode aplicá-lo aos verbos de duas formas:

a)      com uma expressão verbal (formada pelo verbo ter no pretérito perfeito + o verbo principal no particípio):

A expressão verbal que equivale ao pretérito mais-que-perfeito é tinha (ou tinhas, tínhamos, tínheis, tinham) seguido do verbo no particípio (aquele que termina em –ado, -ido). Veja:

íamos para quase duas horas de palestra quando percebi que não conseguiria mais segurar. Minha bexiga doía. Minha pele tinha arrepios repentinos. Se eu não tivesse plena certeza de minhas condições físicas, diria que a urina já estava meio metro pra fora. O pior de tudo foi que, antes de entrar no auditório, eu tinha degustado um delicioso chá gelado, e (tinha) bebido duas latinhas de coca-cola – o suficiente para me transformar num gêiser pronto para jorrar líquido dourado e quente pela louça sanitária.

b)     com o verbo conjugado no pretérito mais-que-perfeito (-ara, -era, -ira):

No Brasil, não é comum as pessoas utilizarem o pretérito mais-que-perfeito com uma única palavra. Mas num texto literário você pode fazer isso. Tenha em mente que deixar de lado a expressão verbal tinha+particípio para utilizar o mais-que-perfeito torna o texto um pouco mais erudito, mais rebuscado (se for uma fala de personagem, leve em conta se as outras falas dele condizem com tal formalidade). Veja:

íamos para quase duas horas de palestra quando percebi que não conseguiria mais segurar. Minha bexiga doía. Minha pele tinha arrepios repentinos. Se eu não tivesse plena certeza de minhas condições físicas, diria que a urina já estava meio metro pra fora. O pior de tudo foi que, antes de entrar no auditório, eu degustara um delicioso chá gelado, e bebera duas latinhas de coca-cola – o suficiente para me transformar num gêiser pronto para jorrar líquido dourado e quente pela louça sanitária.



2 comentários :

  1. Andreia, excelente post :) Parabéns! Só fiquei com uma dúvida: Nos blocos de texto, a segunda frase "O garoto não sabia por que estava...", o verbo "estava" não mudou quando você passou para o presente.

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    1. Verdade. Passou batido na revisão.
      Por isso, eu digo e repito: não adianta, por mais que a gente revise, revise e revise, sempre passa algum furinho. hehehehe
      Obrigada.

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