segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Do outro lado do mundo

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Sou do tipo de pessoa que leva ao pé da letra o nome das redes sociais. Por lá, conheço pessoas, troco ideias, discuto – como em qualquer meio social. Dessa forma, na maioria das vezes, acabo aceitando todas as solicitações de amizade que recebo, sem me preocupar com quem esteja do outro lado: se algo der errado, se sair do controle ou extrapolar os limites do aceitável, é só desfazer a amizade.

Não é incomum eu receber solicitações de homens, em idade casadoira, direto do Oriente Médio, em busca de uma nova esposa – já ouvi dizer que eles podem ter umas quatro ou cinco. É certeiro: eu aceito a solicitação e, em poucos minutos, uma mensagem privada me pede em casamento. Uma amiga me disse que eles gostam de mulheres mais curvilíneas e que eu devia valer uns dez camelos de dote.


Nessa semana, Ahmed me seguiu no Instagram. Segui-o de volta, como de costume. Em menos de um minuto, havia uma mensagem privada. Ele é do Paquistão. Na imagem mental que a mídia insistiu em plantar dentro de mim, me dispus a uma série de perguntas sobre a vida desse garoto de 17 anos – a idade da maioria dos meus alunos. Perguntei-lhe sobre ser muçulmano, sobre as mulheres usarem burca, sobre meninos poderem estudar e meninas, não. Em meia hora de conversa, desfiz completamente o estereótipo de homem-bomba, que segrega mulheres e as priva de uma série de privilégios que são dados aos homens, e me recolhi a minha própria insignificância.

Independente das diferenças que nos separam, por um instante, assim que encerramos o chat, eu tive vergonha. Vergonha da minha própria ignorância. Vergonha de não conhecer a cultura do outro. Vergonha de engolir o que a tv me diz que é verdade. Geografia não era minha matéria favorita na escola, mas não me venha dizer que Ahmed mora do outro lado do mundo: a gente não costuma conhecer nem os próprios vizinhos. Sonha em ir para o exterior, mas não conhece as maravilhas do próprio país (estado, cidade, bairro...).

Redes sociais são legais. Mas pode uma foto substituir o olho no olho? Pode um texto escrito substituir a poesia nos lábios do amante? Pode meia hora de chat nos fazer refletir sobre o mundo e nossa capacidade de aceitar o que a mídia nos vende?

(Andreia Evaristo)
Publicada no jornal A Notícia, em 30 de janeiro de 2016.

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