domingo, 25 de outubro de 2015

Metamorfose

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O dia amanheceu nublado. O mormaço arrancou as roupas compridas das pessoas e os sapatos fechados que quem podia se dar a esse luxo. As roupas foram para o varal, o cachorro ganhou um banho de mangueira. Não era exatamente o que se esperava para a véspera do início da primavera, mas pelo menos não estava frio e chovendo como alguns dias antes.

Dia mundial sem carro, disse a moça na rádio. Pelas ruas, ao contrário do que se esperaria na cidade das bicicletas, carros, motos e outros veículos motorizados acotovelam-se numa velocidade surpreendente. Não posso nem julgar: nessa pressa obrigatória da modernidade, a gente se obriga a motorizar a vida ou nunca dá tempo de chegar a tempo. É um paradoxo: tempo é artigo de luxo que se esbanja nos engarrafamentos.

Paro no sinal. Cruza a minha frente uma bicicleta. Nela, a moça vai, toda cheia de estilo, com a camisa colorida e longa chacolhando com o vento, pedalando vida afora. Livre e leve, como uma borboleta. Talvez ela tenha saído do casulo antes da primavera, talvez já tenha passado por outras primaveras.

Ela se vai e me distraio com a cena. Estamos presos uns atrás dos outros, sempre atucanados com mil e uma preocupações, levando nossas vidas regradas pela rotina. A buzina do carro de trás me alerta que o sinal já abriu. Acelero o carro e dobro outra esquina. A moça mais uma vez me ultrapassa com suas asas coloridas esvoaçantes. Mais uma vez, a bicicleta ganha mais rapidamente os espaços que os carros não conseguem, porque o trânsito está todo parado. Meus olhos a perdem de vista.


No fim do dia, saio do congestionamento e tomo meu rumo. No bairro, é tudo mais tranquilo que no centro. Um perfume de jasmim me inunda o carro e abro mais as janelas, para que o cheiro remexa em mim as lembranças de infância, da alegria dos dias de sol que estão por vir. Procuro pelas flores. Sorrio ao ver duas borboletas, voando em círculos, como se dançassem um dueto. Aos poucos, mais borboletas se juntam a elas, numa coreografia quase ensaiada. Num estalo, entendo a lição da natureza. Será que nós, motoristas estressados, não seríamos mais felizes se nos libertássemos dos motores e nos juntássemos à menina-borboleta em sua bicicleta?

(Andreia Evaristo)

Publicado em 26 de setembro de 2015, no jornal A Notícia.

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