Enquanto meus
alunos faziam os exercícios em sala, eu passeava entre as carteiras. Alguns
alunos fechavam-se por cima dos cadernos, para que eu não pudesse acompanhar
exatamente o que eles estavam escrevendo. Já outros exibiam orgulhosos os
resultados dos seus esforços. No fundo da sala, alheio a minha presença, um
menino girava com os dedos um miniglobo terrestre, no qual morava um apontador.
“Já terminou,
Guilherme?”
“Ahn? Ah, já.
Tá aqui.” e virou o caderno em minha direção.
Deixei minha
assinatura no fim da página enquanto ele continuava a girar o globinho com
dedos ágeis.
“Só cuida com
isso aí,” apontei para o globo, “pra não tirar a atenção dos outros, tá?”
Ele
limitou-se a concordar com a cabeça.
Com o olhar
perdido naquele planetinha girando, o menino se perdia em seus próprios pensamentos.
O globo rodava cada vez mais rápido, deixando a imagem cada vez mais borrada.
Por um breve instante, ali naquele espaço, não existiam mais fronteiras – até
que, num lapso, o globo foi ao chão.
“Ih,
professora, meu mundo caiu.”
A turma toda
caiu na risada, incluindo eu, que não consegui me conter. A inocência das
crianças é algo que sempre me divertiu.
Os anos se
passaram. Reencontrei Guilherme numa situação que não era das melhores: no
corredor de um hospital. Eu estava por lá apenas de passagem, tinha tido um
pico de pressão e já estava medicada. Ele aguardava informações sobre a esposa
grávida que tinha dado entrada na emergência, com hemorragia. A aflição tomava
conta daqueles dedos ágeis, que outrora giravam miniglobos com uma velocidade
surpreendente, mas agora estavam à boca para que as unhas lhe fossem roídas.
Tentei confortar-lhe, dizer-lhe que tudo ficaria bem, de uma forma ou de outra.
Resolvi que ficaria com ele ali até que alguém pudesse trazer notícias sobre a
mulher.
Não levou
muito tempo até que um enfermeiro viesse até a sala de espera. Com uma máscara
de frieza cobrindo-lhe as expressões, ouvi o homem dizer que a mulher passava
bem, que não corria mais riscos, mas que infelizmente eles não tinham
conseguido salvar o bebê. Guilherme levou as mãos ao rosto e chorou
desesperado. Por um pequeno instante, desejei que o mundo que caía fosse apenas
um miniglobo num apontador de lápis.
(Andreia Evaristo)
Nenhum comentário :
Postar um comentário