domingo, 27 de setembro de 2015

Meu mundo caiu

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Enquanto meus alunos faziam os exercícios em sala, eu passeava entre as carteiras. Alguns alunos fechavam-se por cima dos cadernos, para que eu não pudesse acompanhar exatamente o que eles estavam escrevendo. Já outros exibiam orgulhosos os resultados dos seus esforços. No fundo da sala, alheio a minha presença, um menino girava com os dedos um miniglobo terrestre, no qual morava um apontador.

“Já terminou, Guilherme?”

“Ahn? Ah, já. Tá aqui.” e virou o caderno em minha direção.

Deixei minha assinatura no fim da página enquanto ele continuava a girar o globinho com dedos ágeis.

“Só cuida com isso aí,” apontei para o globo, “pra não tirar a atenção dos outros, tá?”

Ele limitou-se a concordar com a cabeça.

Com o olhar perdido naquele planetinha girando, o menino se perdia em seus próprios pensamentos. O globo rodava cada vez mais rápido, deixando a imagem cada vez mais borrada. Por um breve instante, ali naquele espaço, não existiam mais fronteiras – até que, num lapso, o globo foi ao chão.

“Ih, professora, meu mundo caiu.”

A turma toda caiu na risada, incluindo eu, que não consegui me conter. A inocência das crianças é algo que sempre me divertiu.

Os anos se passaram. Reencontrei Guilherme numa situação que não era das melhores: no corredor de um hospital. Eu estava por lá apenas de passagem, tinha tido um pico de pressão e já estava medicada. Ele aguardava informações sobre a esposa grávida que tinha dado entrada na emergência, com hemorragia. A aflição tomava conta daqueles dedos ágeis, que outrora giravam miniglobos com uma velocidade surpreendente, mas agora estavam à boca para que as unhas lhe fossem roídas. Tentei confortar-lhe, dizer-lhe que tudo ficaria bem, de uma forma ou de outra. Resolvi que ficaria com ele ali até que alguém pudesse trazer notícias sobre a mulher.


Não levou muito tempo até que um enfermeiro viesse até a sala de espera. Com uma máscara de frieza cobrindo-lhe as expressões, ouvi o homem dizer que a mulher passava bem, que não corria mais riscos, mas que infelizmente eles não tinham conseguido salvar o bebê. Guilherme levou as mãos ao rosto e chorou desesperado. Por um pequeno instante, desejei que o mundo que caía fosse apenas um miniglobo num apontador de lápis.

(Andreia Evaristo)

(Crônica publicada no jornal A Notícia em 19 de setembro de 2015)

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