quinta-feira, 10 de setembro de 2015

5 estratégias para se fazer poesia

Não existem muitos artigos ensinando exatamente a se produzir poesia. A dificuldade em teorizar a produção poética acontece porque, na maior parte das vezes, escrever poesia é exprimir sentimentos. E como ninguém sente o mundo da mesma forma, como ninguém expressa o que sente da mesma forma, a tarefa de se ensinar a poetizar se torna mais árdua.

Tenha em mente: escrever poesia é um trabalho de artesão. É preciso buscar a palavra precisa, o som mais tocante, a rima mais rica... Algumas vezes, é necessário cortar palavras acessórias (artigos, pronomes, conectivos). Outras, é preciso dizer muito para não dizer nada.

Para ajudar você que quer colocar em versos o que lhe passa pela mente e pelo coração, vamos conferir hoje algumas estratégias que funcionam bem na produção poética.


1. Contrarie o senso comum



A poesia, enquanto produção artística, pode ter um compromisso com a transformação do mundo, com os questionamentos de verdades estabelecidas. Assim, uma boa estratégia é construir um texto que vá na contramão do que pensa a sociedade, dando um novo olhar, um novo enfoque ao que se quer dizer.



No poema Ausência, Drummond contraria a ideia das pessoas de que a ausência é falta, e compara a atitude das pessoas que acreditam que ausência é falta com sua própria atitude depois de perceber que a ausência vive dentro dele.

Segundo o senso comum, quem fica parado é poste. Esse pode ter sido o mote inicial para a reflexão de Clarice Freire no poema acima. Muitos dos poemas de Clarice parecem surgir de uma ideia inicial baseada em expressões idiomáticas ou ditados populares. No texto acima, a ideia de que poste fica parado e que isso é uma coisa ruim é totalmente subvertida pelo texto, que serve como uma motivação, inclusive.

Exercício:

Escolha um ditado popular ou uma expressão idiomática, algo que as pessoas repitam como sendo verdades absolutas. Contrarie a ideia expressa pela expressão que você escolheu – e comece a esboçar um poema.


2. Brinque com o sentido das palavras


A poesia não precisa ser séria o tempo todo. Também não precisa transmitir emoções eternas, como o amor, o medo, a traição. Poesia pode ser criativa, deve brincar com trocadilhos, mudar significados de palavras. Ser poeta é ser um grande cientista – ouse dar a si mesmo a oportunidade de criar, de experimentar.


Quintana é genial em brincar com o verbo no futuro (passarão) como se fosse um pássaro grande. A imagem que ele cria dá margens a múltiplas interpretações – e é isso que torna um texto tão pequeno numa obra tão grandiosa.

O texto de Pedro Gabriel brinca com os sentidos da palavra sentido/sentindo, numa mistura entre sentimentos e direção. O tom da poesia, aqui, se dá justamente pelo uso não comum das palavras.

Exercício:

Escolha uma palavra que possua mais de um sentido. A partir dessa palavra, elabore um pequeno poema – pode inserir ilustrações como nos modelos acima ou não. Por exemplo:
* leve (contrário de pesado / verbo levar)
* sentido (direção / verbo sentir / significado)
* canto (canto de parede / música cantada / verbo cantar)
* peso (do verbo pesar / moeda / o quanto se pesa)
* vela (objeto para se acender / 3ª pessoa em um encontro / pano dos barcos / verbo velar)
* ama (verbo amar / cuidadora)
* grampo (de cabelo / de telefone / de papel)
Enfim, escolha uma palavra com vários significados e brinque com isso.

3. Fuja do poema bonitinho


Por muito tempo, a poesia deu conta de temáticas bonitinhas, enfeitadinhas – falava-se do amor, da beleza da mulher amada, dos sentimentos puros, das virtudes do ser humano. Com o advento do Modernismo, isso tudo foi rompido. O ser humano pode, enfim, encarar-se no espelho como ele realmente é: um ser cheio de falhas, de defeitos e com algumas virtudes.

Fugir dessas temáticas idealizadas é uma excelente estratégia para produzir poemas significativos, vanguardistas, diferentes do que todo mundo faz.



Augusto dos Anjos, no Brasil, foi pioneiro na arte de usar palavras e temáticas apoéticas. Versos íntimos é seu poema mais lembrado, justamente pela sensação de desconforto que causa já à primeira vista – mesmo sem analisar o que diz o poema todo, os versos finais (escarra nessa boca que te beija!) são mais do que suficientes para causar polêmica (e nojo, e desconforto, e mais uma série de sensações horríveis) no leitor.


Coincidência ou não, Vinícius de Moraes também usa a questão da intimidade para construir um poema com elementos apoéticos. No caso, o Soneto da Intimidade vai tratar da essência animal do ser humano – somos todos bichos, não somos? Como bichos, temos necessidades fisiológicas. Atenção para o último verso – Mijamos em comum numa festa de espuma. Por que uma festa? A sensação de urinar remete a algo bom – que o diga quem já esteve apurado por muito tempo e conseguiu, por fim, se aliviar.

Exercício:

Imagine uma cena ruim. Pode se inspirar em uma notícia de jornal ou alguma desgraça de programa sensacionalista. Pode, ainda, se inspirar em algum trauma, alguma doença ou qualquer coisa que seja apoética. A partir dessa ideia, produza alguns versos. Sugestões:
* morte
* assassinato
* aborto
* tortura
* infanticídio
* genocídio / chacina
* câncer / aids / pneumonia


4. Escreva sobre assuntos que você domina


Quando tratamos de prosa, seja num romance, seja num conto, crônica ou qualquer outro tipo de texto que não seja em versos, a dica primordial é sempre compreender o assunto sobre o qual se quer tratar antes de começar a escrever. Assim, se você não compreende exatamente sobre o que quer escrever, seu texto fica pobre, certo?

A mesma regra se aplica à poesia. Para escrever um poema, você precisa ter em mente que o assunto que você quer abordar precisa ser parte do seu repertório, ou seja, você precisa conhecer o assunto sobre o qual vai falar.


A poesia cantada na literatura de cordel representa não apenas situações típicas do nordeste brasileiro, mas também a fala característica das pessoas que lá vivem. Ou seja, o poeta trata da temática do amor (uma temática universal) com um tom totalmente subjetivo, totalmente dentro da realidade que ele conhece bem, com a qual ele convive cotidianamente. Atenção à forma como o amor é manifesto – que não é da forma bonitinha e enfeitada dos poemas clássicos: é uma declaração de amor que vem ligada a uma promessa de violência.


5. O eu-lírico não precisa ser um alter-ego do poeta


Como eu disse no começo deste texto, muitas vezes a poesia serve para o propósito de exprimir sentimentos do poeta – as emoções que ele está vivendo no momento, o que o marca, o que o choca, o que o sensibiliza de uma forma ou de outra. Assim, na maioria das vezes, o eu-lírico (o “narrador” do poema, a voz por trás dos versos) é um alter-ego do escritor (ou seja, é um personagem que representa a vida do próprio poeta).
Contudo, há alguns poetas que se dedicam à arte de escrever sob a ótica de um personagem, realmente. Assim, o eu-lírico se torna um ser totalmente ficcional, uma persona inserida no texto literário.

O caso mais bem-sucedido de poeta que construiu personagens para que eles dessem voz a seus poemas é Fernando Pessoa. O poeta criava um personagem (o chamado heterônimo), atribuía-lhe uma biografia (muito parecido com o processo de construção de personagem que já vimos nos textos em prosa) e, obviamente, sentimentos associados a cada fato que ocorria com sua vida. Desses sentimentos inventados surgiam os poemas. Não por acaso, Fernando Pessoa dizia que

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.


Exercício:

Crie uma ficha de personagem. Dê o maior número de detalhes possíveis sobre ele – se possível, crie uma biografia. Ou escolha um personagem de livro ou filme que você conheça bem. Baseando-se em um dos fatos ocorridos na vida desse personagem, busque compreender quais são seus sentimentos. A partir daí, elabore alguns versos sob o olhar do personagem.

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