Não existem
muitos artigos ensinando exatamente a se produzir poesia. A dificuldade em
teorizar a produção poética acontece porque, na maior parte das vezes, escrever
poesia é exprimir sentimentos. E como ninguém sente o mundo da mesma forma,
como ninguém expressa o que sente da mesma forma, a tarefa de se ensinar a
poetizar se torna mais árdua.
Tenha em
mente: escrever poesia é um trabalho de artesão. É preciso buscar a palavra
precisa, o som mais tocante, a rima mais rica... Algumas vezes, é necessário
cortar palavras acessórias (artigos, pronomes, conectivos). Outras, é preciso
dizer muito para não dizer nada.
Para ajudar
você que quer colocar em versos o que lhe passa pela mente e pelo coração,
vamos conferir hoje algumas estratégias que funcionam bem na produção poética.
1. Contrarie o senso comum
A poesia,
enquanto produção artística, pode ter um compromisso com a transformação do
mundo, com os questionamentos de verdades estabelecidas. Assim, uma boa
estratégia é construir um texto que vá na contramão do que pensa a sociedade,
dando um novo olhar, um novo enfoque ao que se quer dizer.
No poema Ausência, Drummond contraria a ideia das
pessoas de que a ausência é falta, e compara a atitude das pessoas que
acreditam que ausência é falta com sua própria atitude depois de perceber que a
ausência vive dentro dele.
Segundo o
senso comum, quem fica parado é poste. Esse pode ter sido o mote inicial para a
reflexão de Clarice Freire no poema acima. Muitos dos poemas de Clarice parecem
surgir de uma ideia inicial baseada em expressões idiomáticas ou ditados
populares. No texto acima, a ideia de que poste fica parado e que isso é uma
coisa ruim é totalmente subvertida pelo texto, que serve como uma motivação,
inclusive.
Exercício:
Escolha
um ditado popular ou uma expressão idiomática, algo que as pessoas repitam como
sendo verdades absolutas. Contrarie a ideia expressa pela expressão que você
escolheu – e comece a esboçar um poema.
2. Brinque com o sentido das palavras
A poesia não precisa ser séria o tempo todo. Também não precisa transmitir emoções eternas, como o amor, o medo, a traição. Poesia pode ser criativa, deve brincar com trocadilhos, mudar significados de palavras. Ser poeta é ser um grande cientista – ouse dar a si mesmo a oportunidade de criar, de experimentar.
Quintana é
genial em brincar com o verbo no futuro (passarão) como se fosse um pássaro
grande. A imagem que ele cria dá margens a múltiplas interpretações – e é isso que
torna um texto tão pequeno numa obra tão grandiosa.
O texto de
Pedro Gabriel brinca com os sentidos da palavra sentido/sentindo, numa mistura
entre sentimentos e direção. O tom da poesia, aqui, se dá justamente pelo uso
não comum das palavras.
Exercício:
Escolha
uma palavra que possua mais de um sentido. A partir dessa palavra, elabore um
pequeno poema – pode inserir ilustrações como nos modelos acima ou não. Por
exemplo:
*
leve (contrário de pesado / verbo levar)
*
sentido (direção / verbo sentir / significado)
*
canto (canto de parede / música cantada / verbo cantar)
*
peso (do verbo pesar / moeda / o quanto se pesa)
*
vela (objeto para se acender / 3ª pessoa em um encontro / pano dos barcos /
verbo velar)
*
ama (verbo amar / cuidadora)
*
grampo (de cabelo / de telefone / de papel)
Enfim, escolha uma palavra
com vários significados e brinque com isso.
3. Fuja do poema bonitinho
Por muito tempo, a poesia deu conta de temáticas bonitinhas, enfeitadinhas – falava-se do amor, da beleza da mulher amada, dos sentimentos puros, das virtudes do ser humano. Com o advento do Modernismo, isso tudo foi rompido. O ser humano pode, enfim, encarar-se no espelho como ele realmente é: um ser cheio de falhas, de defeitos e com algumas virtudes.
Fugir dessas
temáticas idealizadas é uma excelente estratégia para produzir poemas
significativos, vanguardistas, diferentes do que todo mundo faz.
Augusto dos
Anjos, no Brasil, foi pioneiro na arte de usar palavras e temáticas apoéticas. Versos íntimos é seu poema mais
lembrado, justamente pela sensação de desconforto que causa já à primeira vista
– mesmo sem analisar o que diz o poema todo, os versos finais (escarra nessa boca que te beija!) são
mais do que suficientes para causar polêmica (e nojo, e desconforto, e mais uma
série de sensações horríveis) no leitor.
Coincidência
ou não, Vinícius de Moraes também usa a questão da intimidade para construir um
poema com elementos apoéticos. No caso, o Soneto da Intimidade vai tratar da
essência animal do ser humano – somos todos bichos, não somos? Como bichos,
temos necessidades fisiológicas. Atenção para o último verso – Mijamos em comum numa festa de espuma.
Por que uma festa? A sensação de urinar remete a algo bom – que o diga quem já
esteve apurado por muito tempo e conseguiu, por fim, se aliviar.
Exercício:
Imagine
uma cena ruim. Pode se inspirar em uma notícia de jornal ou alguma desgraça de
programa sensacionalista. Pode, ainda, se inspirar em algum trauma, alguma doença
ou qualquer coisa que seja apoética. A partir dessa ideia, produza alguns
versos. Sugestões:
*
morte
*
assassinato
*
aborto
*
tortura
*
infanticídio
*
genocídio / chacina
*
câncer / aids / pneumonia
4. Escreva sobre assuntos que você domina
Quando tratamos de prosa, seja num romance, seja num conto, crônica ou qualquer outro tipo de texto que não seja em versos, a dica primordial é sempre compreender o assunto sobre o qual se quer tratar antes de começar a escrever. Assim, se você não compreende exatamente sobre o que quer escrever, seu texto fica pobre, certo?
A mesma regra
se aplica à poesia. Para escrever um poema, você precisa ter em mente que o
assunto que você quer abordar precisa ser parte do seu repertório, ou seja,
você precisa conhecer o assunto sobre o qual vai falar.
A poesia
cantada na literatura de cordel representa não apenas situações típicas do
nordeste brasileiro, mas também a fala característica das pessoas que lá vivem.
Ou seja, o poeta trata da temática do amor (uma temática universal) com um tom
totalmente subjetivo, totalmente dentro da realidade que ele conhece bem, com a
qual ele convive cotidianamente. Atenção à forma como o amor é manifesto – que
não é da forma bonitinha e enfeitada dos poemas clássicos: é uma declaração de amor
que vem ligada a uma promessa de violência.
5. O eu-lírico não precisa ser um alter-ego do poeta
Como eu disse
no começo deste texto, muitas vezes a poesia serve para o propósito de exprimir
sentimentos do poeta – as emoções que ele está vivendo no momento, o que o
marca, o que o choca, o que o sensibiliza de uma forma ou de outra. Assim, na
maioria das vezes, o eu-lírico (o “narrador” do poema, a voz por trás dos
versos) é um alter-ego do escritor (ou seja, é um personagem que representa a
vida do próprio poeta).
Contudo, há
alguns poetas que se dedicam à arte de escrever sob a ótica de um personagem,
realmente. Assim, o eu-lírico se torna um ser totalmente ficcional, uma persona
inserida no texto literário.
O caso mais
bem-sucedido de poeta que construiu personagens para que eles dessem voz a seus
poemas é Fernando Pessoa. O poeta criava um personagem (o chamado heterônimo),
atribuía-lhe uma biografia (muito parecido com o processo de construção de
personagem que já vimos nos textos em prosa) e, obviamente, sentimentos
associados a cada fato que ocorria com sua vida. Desses sentimentos inventados
surgiam os poemas. Não por acaso, Fernando Pessoa dizia que
O poeta é um
fingidor.
Finge tão
completamente
Que chega a
fingir que é dor
A dor que
deveras sente.
Exercício:
Crie
uma ficha de personagem. Dê o maior número de detalhes possíveis sobre ele – se
possível, crie uma biografia. Ou
escolha um personagem de livro ou filme que você conheça bem. Baseando-se em um
dos fatos ocorridos na vida desse personagem, busque compreender quais são seus
sentimentos. A partir daí, elabore alguns versos sob o olhar do personagem.
muito bão..... gostei das dicas. Parabéns!
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