Domingo à
noite, quando a cidade se prepara para a semana que inicia, estou com meu
marido no supermercado. Somos diferentes da maioria das famílias que preferem
deixar os últimos instantes do fim de semana para descansar um tantinho a mais antes
da temida segunda-feira. O mercado está quase vazio: poucos clientes comprando,
poucos caixas funcionando.
Após
passearmos pelos corredores e selecionarmos o que mais nos interessa, paramos
num dos caixas. Tentamos conversar alguma amenidade, quando um som alto me desperta
a atenção. Do caixa a minha direita, um homem de seus cinquenta e tantos anos
ostenta um celular barulhento, tocando arrocha. Não sou do tipo que costuma
criticar o gosto musical alheio, mas a música me incomoda: não consigo manter o
diálogo com meu marido.
Como meus
olhos são atraídos para o local onde o homem está, passo a observar a cena.
Acompanhando o senhor, estão outros três homens, um pouco mais jovens. Um
deles, insistentemente, pede à moça do caixa que lhe dê o número de telefone. A
moça esboça uma risada nervosa, quase histérica. Está nitidamente
desconfortável com a situação: ela está trabalhando, eles são os clientes e
costuma-se se dizer por aí que estes têm sempre razão. Enquanto o homem a
importuna, os outros três sorriem, se divertindo com a situação embaraçosa na
qual a moça está metida. Atrapalhando o andamento do serviço, o homem ousa
ainda pegar-lhe a mão e acariciá-la, como se ela estivesse gostando da
situação.
Quando a
moça, enfim, consegue se livrar dos quatro homens, ela sorri amarelo para os
próximos clientes que se aproximam. O segurança do mercado se aproxima dela. Um
lampejo de esperança brilha em meio a tais trevas. Quando penso que vai
oferecer ajuda, ele se põe a recriminar a pobre moça, dizendo que ela deveria
fazer o seu serviço em vez de ficar dando bola para os marmanjos.
Primeiro
assediada, depois humilhada, seus olhos encontram os meus, mas ela logo retorna
ao trabalho. Eu lhe sou solidária, moça. Queria até lhe pedir desculpas. Esse
nó na minha garganta não vai passar tão cedo (tem o meu desaforo preso consigo)
– e essa cena tende a se repetir enquanto continuarmos caladas. Não será assim
da próxima vez. Prometo.
(Andreia Evaristo)
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