terça-feira, 17 de novembro de 2015

Ciclo vicioso

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Domingo à noite, quando a cidade se prepara para a semana que inicia, estou com meu marido no supermercado. Somos diferentes da maioria das famílias que preferem deixar os últimos instantes do fim de semana para descansar um tantinho a mais antes da temida segunda-feira. O mercado está quase vazio: poucos clientes comprando, poucos caixas funcionando.

Após passearmos pelos corredores e selecionarmos o que mais nos interessa, paramos num dos caixas. Tentamos conversar alguma amenidade, quando um som alto me desperta a atenção. Do caixa a minha direita, um homem de seus cinquenta e tantos anos ostenta um celular barulhento, tocando arrocha. Não sou do tipo que costuma criticar o gosto musical alheio, mas a música me incomoda: não consigo manter o diálogo com meu marido.

Como meus olhos são atraídos para o local onde o homem está, passo a observar a cena. Acompanhando o senhor, estão outros três homens, um pouco mais jovens. Um deles, insistentemente, pede à moça do caixa que lhe dê o número de telefone. A moça esboça uma risada nervosa, quase histérica. Está nitidamente desconfortável com a situação: ela está trabalhando, eles são os clientes e costuma-se se dizer por aí que estes têm sempre razão. Enquanto o homem a importuna, os outros três sorriem, se divertindo com a situação embaraçosa na qual a moça está metida. Atrapalhando o andamento do serviço, o homem ousa ainda pegar-lhe a mão e acariciá-la, como se ela estivesse gostando da situação.

Quando a moça, enfim, consegue se livrar dos quatro homens, ela sorri amarelo para os próximos clientes que se aproximam. O segurança do mercado se aproxima dela. Um lampejo de esperança brilha em meio a tais trevas. Quando penso que vai oferecer ajuda, ele se põe a recriminar a pobre moça, dizendo que ela deveria fazer o seu serviço em vez de ficar dando bola para os marmanjos.


Primeiro assediada, depois humilhada, seus olhos encontram os meus, mas ela logo retorna ao trabalho. Eu lhe sou solidária, moça. Queria até lhe pedir desculpas. Esse nó na minha garganta não vai passar tão cedo (tem o meu desaforo preso consigo) – e essa cena tende a se repetir enquanto continuarmos caladas. Não será assim da próxima vez. Prometo.

(Andreia Evaristo)

Publicado em 03 de outubro de 2015, no jornal A Notícia.

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