terça-feira, 15 de novembro de 2016

Sobre taças e eleições - um apólogo


Uma Taça Rasa e uma Taça Tulipa decidiram concorrer às eleições para o cargo mais alto da Cristaleira: a presidência. A coparada entrou em polvorosa! Copos de todos os tamanhos, formatos e utilidades ansiavam pelas propostas de ambas as taças.



No início de campanha, a coisa foi mais amena. A Taça Rasa queria separar os copos por formato; a Taça Tulipa, por utilidade. A coparada começou a discutir: separar por formatos não era discriminatório? Por função, não seria puro pragmatismo? “Para o bem da maioria dos copos”, propôs o Copo de Shot, “não deveria haver divisão. Que cada copo tivesse o direito de ocupar nas prateleiras o espaço que desejasse!” Mas, como ele era pequeno demais, sua voz se perdeu no vazio.

A Taça Rasa sugeriu usar a mesma marca de detergente para todos os copos – isso seria uma excelente forma de tratar a todos da mesma forma. A Taça Tulipa discordou: era necessário um detergente específico para cada tipo de copo, isso sim seria justo. Alguns copos concordaram com a Taça Tulipa, enquanto outros se preocupavam no custo que a compra de tantos detergentes acarretaria aos cofres públicos da Cristaleira.

Seguiram-se as propostas, e a coparada, cada vez mais, com opiniões divididas. O direito de cada copo ser preenchido com a bebida que quisesse parecia uma heresia aos copos clássicos. O direito de misturar bebidas diferentes, então, constituía uma passagem apenas de ida para o limpo onde cacos de vidro morto jaziam em eterna paz. Por copos mais cheios: sinal de fartura! Por copos mais vazios: ninguém deveria trabalhar sobrecarregado! Por copos guardados de boca para cima! Por copos guardados de boca para baixo!

A mídia sempre pendia para um dos lados. Nitidamente, o grupo Margheritta apoiava a candidata Rasa e o grupo Martini, a candidata Tulipa. As pesquisas mostravam resultados apertadíssimos, com pequena vantagem para a Taça Tulipa.

Imbuídos de uma emoção única, os copos disputavam batalhas de argumentos entre si, defendendo suas candidatas, que às vezes terminavam em briga.

No dia dos resultados, as pesquisas se mostraram erradas: ganhou a Taça Rasa. Iniciou-se uma verdadeira guerra entre os dois lados dos copos apoiadores: eram copos e estilhaços para todos os lados da Cristaleira – exceto na prateleira mais alta. Nela, Taças Rasas e Taças Tulipas dividiam o mesmo champanhe.

(Andreia Evaristo)
Crônica publicada no jornal A Notícia, em 12 de novembro de 2016.

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