Não sabia dizer quando essa paixão, se é que assim podemos chamar, começou. Foi o marido que, a primeira vez, comentou:
“Eu, hein, mulher, não pode ver uma chaleira!”
Ela passou a prestar atenção. E não é que ele estava mesmo certo? A cada lojinha, ela insistia em parar em frente às chaleiras.
“Olha, marido. Tão bonita essa aqui.”
Ele mal resmungava um “aham” e nem perdia tempo em olhar. Para ela, todas as chaleiras eram bonitas. A princípio, havia duas chaleiras. Uma, de inox, ganhada no casamento, tinha um apito na ponta, desses que avisam que a água ferveu – o marido implicou com o barulho chato que fazia.
“Já não chega a barulheira toda dessa casa?”
A mulher não sabia a que barulheira ele se referia, já que não tinham filhos, mas preferiu não contrariar. Era o motivo perfeito para escolher uma chaleira nova. Foi quando a segunda chaleira se juntou à coleção. Essa era decorada com cupcakes e bolinhas, revestida com esmalte igual às canecas que a avó tinha na cozinha, para servir o café torrado em casa e moidinho na hora de fazer.
“Pra que tanta chaleira! Nem café se faz nessa casa.”
Não se fazia, mesmo. A praticidade da vida moderna lhes oferecia café solúvel.
A terceira chaleira que se juntou à casa era vermelha. O marido a empacotou a contragosto, quando passou pelo caixa. Mas não conseguia contrariar a mulher. Com mais uma chaleira em casa, ele teria mais um fato para reclamar sem motivo – e reclamar sem motivo era seu hobbie favorito. A mulher costumava dizer que ele tinha nascido velho – e, como tal, veio com toda a rabugice que somente um velho pode conservar.
Depois da quarta chaleira, de vaquinha, que mugia quando a água fervia, a mulher perdeu o controle. Uma a uma, as chaleiras foram tomando as prateleiras. Depois, foi preciso abrir espaço na cristaleira: a mulher fazia questão de exibir sua coleção em portas de vidro. Quando a situação atingiu o auge, o marido intimou a mulher:
“Ou saem essas chaleiras, ou saio eu!”
Estive lá, esses dias. Fui muito bem recebida. A mulher queixou-se das manias do marido, do mau humor constante, do seu costume de reclamar sem motivos. Na hora de me servir um chá, a mulher, apontando a cristaleira, me consultou:
“Em qual chaleira você prefere que eu ferva a água?”
“Eu, hein, mulher, não pode ver uma chaleira!”
Ela passou a prestar atenção. E não é que ele estava mesmo certo? A cada lojinha, ela insistia em parar em frente às chaleiras.
“Olha, marido. Tão bonita essa aqui.”
Ele mal resmungava um “aham” e nem perdia tempo em olhar. Para ela, todas as chaleiras eram bonitas. A princípio, havia duas chaleiras. Uma, de inox, ganhada no casamento, tinha um apito na ponta, desses que avisam que a água ferveu – o marido implicou com o barulho chato que fazia.
“Já não chega a barulheira toda dessa casa?”
A mulher não sabia a que barulheira ele se referia, já que não tinham filhos, mas preferiu não contrariar. Era o motivo perfeito para escolher uma chaleira nova. Foi quando a segunda chaleira se juntou à coleção. Essa era decorada com cupcakes e bolinhas, revestida com esmalte igual às canecas que a avó tinha na cozinha, para servir o café torrado em casa e moidinho na hora de fazer.
“Pra que tanta chaleira! Nem café se faz nessa casa.”
Não se fazia, mesmo. A praticidade da vida moderna lhes oferecia café solúvel.
A terceira chaleira que se juntou à casa era vermelha. O marido a empacotou a contragosto, quando passou pelo caixa. Mas não conseguia contrariar a mulher. Com mais uma chaleira em casa, ele teria mais um fato para reclamar sem motivo – e reclamar sem motivo era seu hobbie favorito. A mulher costumava dizer que ele tinha nascido velho – e, como tal, veio com toda a rabugice que somente um velho pode conservar.
Depois da quarta chaleira, de vaquinha, que mugia quando a água fervia, a mulher perdeu o controle. Uma a uma, as chaleiras foram tomando as prateleiras. Depois, foi preciso abrir espaço na cristaleira: a mulher fazia questão de exibir sua coleção em portas de vidro. Quando a situação atingiu o auge, o marido intimou a mulher:
“Ou saem essas chaleiras, ou saio eu!”
Estive lá, esses dias. Fui muito bem recebida. A mulher queixou-se das manias do marido, do mau humor constante, do seu costume de reclamar sem motivos. Na hora de me servir um chá, a mulher, apontando a cristaleira, me consultou:
“Em qual chaleira você prefere que eu ferva a água?”
(Andreia Evaristo)
Publicado no jornal A Notícia, em 21 de novembro de 2015.
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