sábado, 28 de novembro de 2015

Uma a cada quatro minutos

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Tenho muitos nomes. Só não tenho voz, apesar da minha infinita vontade de gritar. Meu grito é abafado pela vergonha, pelo medo do julgamento, por não querer lidar com quem pode vir a dizer que a culpa foi minha. Tenho muitos rostos, muitos corpos. A cada quatro minutos, eu viro estatística. Posso ser sua vizinha, sua irmã, sua mãe – até mesmo posso ser você. 

Olhe para o lado: talvez eu esteja aí; talvez sejamos mais. Você nunca saberá, porque a maioria de nós não conta, a maioria se cala, se enrola como um caramujo na casa. 

Levei muito tempo até conseguir dar nó nos laços que me foram arrebentados. Mas nós nunca são tão bonitos como eram as fitas novas. Meus botões não desabrocham, porque foram abertos à força, antes da primavera. 

Eu sou a menina que parou na rua para dar informações, que foi arrastada para dentro de um carro preto, de quem você já ouviu falar, mas nem desconfia que estou aí do seu lado, que você é meu amigo no facebook. Você pensa que minha história é lenda urbana – e eu daria tudo para poder acreditar nisso também. 

Eu sou a garota que disse não ao namorado. Sim, eu disse NÃO, eu implorei para que minha vontade fosse respeitada. Mas, infelizmente, alguns homens são educados a serem machos e, como tal, só sabem ceder aos seus instintos de bicho, só ouvem a voz da testosterona. 

Eu sou a senhora que mora na casa ao lado, cujo marido chega à noite com as ideias cheias de álcool, que acha que manda porque ele paga. Ele me faz de gato e sapato, não respeita as minhas vontades – por que respeitaria minha falta de vontade? Eu sou a criança que o tio fingia levar para a escola. Ou o irmão mais velho. Quem sabe o primo, o avô, o padrasto?

Eu ainda vejo, em meus pesadelos, flashes dos momentos de horror que vivi. Acordo chorando, engulo o terror – e imploro aos céus que me mandem monstros mais fáceis de lidar do que os fantasmas do passado. 

Eu sou aquela que foi abusada, mas que não acredita nas estatísticas, porque ninguém fala sobre isso. Ninguém denuncia, ninguém rompe o medo e a vergonha, ninguém mexe nos próprios brios e pudores. Mas eu preciso falar. Preciso encontrar outras como eu, preciso saber que não estou sozinha nesse mundo. Eu sei que não estou.


(Andreia Evaristo)

Publicado em 27 de novembro de 2015, no jornal A Notícia - por engano, saiu com o nome do escritor (e meu amigo, Jura Arruda, mas o texto é meuzinho. <3 )

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