quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Chuva de setembro

Foto: Reprodução
Eis que, depois de um curto veranico, a chuva voltou a batizar a cidade. Sim, voltou a chover na cidade da chuva. Guarda-chuvas, pretos e cinzas, cobrem as ruas, escurecendo mais ainda o dia que teve preguiça de amanhecer. As pessoas emburram as caras e praticam um esporte popular: reclamar por ter de sair de casa num dia como esse, em que o frio e a umidade encarangam as juntas.

Saio do trabalho. Na cidade, o mau humor impera majestoso. Buzinas, freadas e palavrões. É culpa da chuva, só pode! Nos dias de sol, a vida não se emburra tão fácil. Na descida de um morro, paro o carro no cruzamento. Pela primeira vez na minha vida joinvilense, percebo que nem todos os dias de chuva são cinzentos. O dia de hoje, especificamente, é branco – e o branco do céu funde-se ao chão, num sincretismo perfeito. É quando eu a vejo.

Uma menina, de seus seis, sete anos de idade, volta da escola sozinha. A chuva não é capaz de atrapalhar-lhe os planos de ser feliz com sua sombrinha de arco-íris iluminando o dia. Nos pés, uma galocha vermelha que percorre uma a uma todas as poças de lama que encontra pelo caminho. Quando a água respinga, ela gargalha – e o barulho da sua alegria inunda meus ouvidos.

De dentro do carro, sorrio com a cena. Se a chuva é nossa realidade constante, não deveria ser encarada como um problema. Quantos anos já se passaram desde que o primeiro colono aqui chegou, e ainda não somos capazes de conviver bem com a água que cai do céu?

Espero uns segundos, enquanto a menina se vai, enquanto não abre uma brecha nesse trânsito cheio de carros que só saem das garagens em dias de chuva. Então, um ônibus se aproxima do meio-fio e acerta em cheio a enxurrada que escorria pela sarjeta. A água barrenta se levanta numa grande onda que lava a menina de cima a baixo, com sombrinha e tudo. A menina fecha os olhos pequeninos, abre a boca surpresa formando um O redondinho enquanto, com a sombrinha presa entre o ombro e o pescoço, chacoalha as mãos abertas com os dedinhos respingando.

Quando penso em sentir pena da pobrezinha, ela gira a sombrinha feliz e sai dançando pela rua, para não me deixar esquecer que, além da cidade da chuva, esta é também a cidade da dança.


(Andreia Evaristo)

(Publicado no jornal A Notícia, caderno Anexo, em 05/09/2015)

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