segunda-feira, 20 de junho de 2016

Recursos estilísticos – para prosa ou verso (parte 1)


Quando produzimos um texto literário, há duas coisas a serem consideradas: o que você quer dizer e como você vai fazer isso. Quanto ao conteúdo, ao assunto, você pode encontrar inspiração em três situações distintas: na experiência, na observação e na investigação. Já quanto à forma de escrever, você pode lançar das figuras de linguagem.


  1. Metáfora


É a mãe das figuras de linguagem. Basicamente, a metáfora consiste numa comparação implícita (não explícita) entre os elementos de uma construção. É o emprego de uma palavra com um sentido que não lhe comum ou próprio, baseando-se na semelhança.



A vida é um incêndio: nela
dançamos, salamandras mágicas.
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!

Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida...

(Mário Quintana)

No poema acima, Quintana compara a vida com um incêndio. Contudo, não é uma simples comparação – na construção acima, o elemento a ser caracterizado (no caso, a vida) se assume como o próprio objeto de comparação (“A vida é um incêndio”).

É importante lembrar: metáforas batidas são recebidas pelo cérebro como se fossem expressões literais, iguais às do dicionário. Então, evite usar expressões muito comuns:

Seus olhos são duas estrelas brilhantes.
Ela tinha um nó na garganta.
Maria é uma flor.

Busque, antes, construções criativas, instigantes, provocadoras – o efeito é muito mais impactante.

Charlie Harper é um cactus recheado de pudim.



Exercício:  Busque metáforas criativas para descrever os seguintes seres:
* amor não correspondido
* morte de alguém querido
* necessidade de se cumprir um dever, de se fazer o que precisa ser feito, mesmo que não se queira
* tristeza (pelo motivo que for)
* saudade

  1. Metonímia


É quando trocamos uma palavra por outra, respeitando uma relação entre elas. Por exemplo, trocar o nome de um produto pela marca, trocar uma parte pelo todo, trocar o efeito pela causa etc.
Na literatura, algumas construções metonímicas produzem efeitos bem diversos – humor, reflexão, entrega de característica de algum personagem.



Poemas de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás das mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas e amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

(Carlos Drummond de Andrade)



Nos versos “O bonde passa cheio de pernas:/ pernas brancas pretas e amarelas.”, se o eu-lírico, em vez de usar pernas, usasse pessoas ou ainda mulheres, o efeito seria o mesmo? O que muda quando ele substitui essas palavras por pernas?

  1. Antítese


Antítese é o emprego de ideias opostas. Existem vários poemas que se constroem justamente na contraposição de conceitos.



Esquecimento

Enquanto você para e espera
Eu ando, invado
Eu abro a porta e entro

Enquanto você cala quieta
Eu brigo, eu falo
Eu berro, eu enfrento

No canto dessa sala emperra
Eu ligo, acerto, eu erro
E eu tento

Enquanto você fala “espera”
Aflito eu fico e digo
“Eu não entendo”

Não sei por que você
Insiste em demorar
Eu quero que você
Diga já

Que seja no Japão
Jamaica ou Jalapão
No Jaraguá ou na Guiné
De charrete ou caminhão
De carro ou caminhando a pé
Eu vou

No banco sem guitarra elétrica
Com violão escrevo esse lamento
Pois como molha a água a pedra
Meu canto encerra o seu esquecimento

(Samuel Rosa e Nando Reis)





A letra da música Esquecimento é um exemplo perfeito de antítese. Verso após verso, o eu-lírico compara sua personalidade com a da pessoa amada, ressaltando o quanto são diferentes. É mais uma canção que trata da velha máxima de que “os opostos se traem”, mesmo que nesse caso o relacionamento já tenha terminado (“Meu canto encerra o seu esquecimento”).

  1. Paradoxo


Paradoxo é uma versão mais radical da antítese. É como colocar na mesma construção duas ideias tão contraditórias que parecem até irracional, fora de lógica, mas que, dado ao contexto, são totalmente verdadeiras.
Em dias muito frios, eu costumo dizer que está um frio dos infernos. A ideia de inferno é sempre relacionada com fogo, calor. Logo, num primeiro momento, a expressão frio dos infernos contradiz o senso comum. Contudo, se associarmos que o frio está tão desagradável quanto seria o inferno, a construção se justifica.




Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contraditório a si é o mesmo Amor?

(Luís Vaz de Camões)

Neste soneto (sem título), Camões aproxima situações totalmente contraditórias. Se a ferida dói, como podemos não senti-la, se dor está ligado a uma das sensações? Como se pode estar solitário estando entre pessoas? A contradição se justifica pela confusão que o amor causa na mente e na vida das pessoas.



Exercício:  Procure uma ideia trabalhe com opostos. Tente elaborar um texto (poético ou em prosa) que contraponha esses conflitos.
Sugestões:
* relacionamento amoroso entre duas pessoas totalmente diferentes;
* relacionamento entre pai e filho que tenham personalidades opostas;
* luta interna entre sentimentos conflitantes;
* guerra e paz;
* capitalismo e socialismo;
* religiosidade e secularidade...

2 comentários :